Neil Gaiman
Traduzido por Paulo Sousa a partir da entrevista incuída em GAIMAN, Neil – Stardust, London, Headline Review, 2007, (9787 0 7553 37555) 2 p. 210-211
O que há de verdadeiro nas histórias de fadas?
Penso que todos os contos de fadas são em grande medida verdadeiros, a um nível macro, se não mesmo a um nível micro. Há uma frase da autoria de G K Chesterton que cito no início de Coraline, o meu romance para crianças. Diz ele que não é que os contos de fadas sejam verdadeiros, eles são mais que verdadeiros. E não são verdadeiros porque nos dizem que existem dragões, uma vez que todas as crianças sabem no fundo do peito que os dragões existem; são verdadeiros porque nos dizem que os dragões podem ser derrotados.
E penso que essa é a maior e mais importante parte de um conto de fadas. Eles dizem-nos coisas muito verdadeiras que não têm de ser pequenas verdades específicas.
Os contos de fadas passaram a ser coisas de crianças, mas não começaram por ser assim. Tolkien fez uma analogia com a mobília do quarto das crianças. A mobília não começou por ser mobília de um quarto de crianças; foi feita para adultos e estes puseram-na no quarto das crianças quando ela ficou velha e passou de moda.
No caso dos irmãos Grimm, eles andaram recolhendo e publivando as suas histórias pensando que as publicavam para adultos. Só depois de terem começado a receber cartas de adultos que compraram estas histórias e começaram a lê-las a crianças e a achar que não eram adequadas que os Grimm começaram a modificá-las.
Assim, Rapunzel, na primeira edição dos contos de fadas dos irmãos Grimm, diz à bruxa “Porque está a minha barriga a inchar? As minhas roupas já não me servem.” Enquanto que na terceira edição, nesse momento da história a bruxa descobre que ela se tem encontrado com um jovem porque Rapunzel diz algo do género de “Tiazinha, não és tão pesada como o príncipe”.
Começaram a suavizar a história desde muito cedo. E claro que Charles Perrault, no século XVII, quando ele contou estas histórias aos franceses, também as suavizou e lhes acrescentou pequenas observações morais.
Não me parece que alguma vez as histórias de fadas tenham começado por ser histórias para crianças; elas começaram por ser histórias destinadas a serem contadas às pessoas. Penso também que Feéria (no original: “Faerie”, o país das fadas) é a metáfora perfeita para inúmeros lugares, para inúmeras coisas e para inúmeras ideias, e é também um lugar maravilhoso sobre o qual se podem contar histórias. E em Stardust adorei contrastá-lo com os vitorianos de chapéus de côco.